Todos à minha volta engravidam....menos eu!

É esta a fórmula de aparente sucesso que a sociedade tanto incute como garante de uma vida “certinha”, feliz e realizada - “Estuda para seres bem formada, casa-te com um bom homem, arranja um bom trabalho, investe na carreira e aproveita para fazeres um pé de meia para o futuro, compra uma casa, talvez um T3, já a pensar nos filhos, e depois disso, então, deixa de tomar a pílula e engravida.”
Ninguém nos diz que a idade é o fator mais crítico para que uma gravidez possa acontecer. Ninguém nos ensina que a pílula esconde potenciais problemas no ciclo menstrual, que só se mostram quando o relógio já está em contagem decrescente. Ninguém nos prepara para a incontornável verdade da vida, de que não controlamos nada.
Esta é a realidade de cerca de 20% dos casais em Portugal, que, tendo relações sexuais desprotegidas durante um ano, sem conceberem, adquirem involuntariamente o pesado e estigmatizado rótulo da Infertilidade. Uma realidade ainda vivida com muito tabu e em silêncio, onde reina a vergonha de não conseguir cumprir com o propósito mais primitivo e básico na vida – o da procriação da espécie.
O que não se sabe é que esse ato inato, supostamente simples de gerar vida, é afinal um autêntico milagre da natureza. Em casais saudáveis e no pico da sua fertilidade, a probabilidade de engravidar é só de 25% em cada ciclo menstrual. Mas isto poucos sabem…
A dureza deste caminho começa na constatação cruel de que a realidade nem sempre corresponde ao plano. A revolta, o desânimo e a frustração de a gravidez não estar a acontecer começam a pautar a vida do casal. Inicia-se a busca desenfreada por respostas e tratamentos que sejam a resolução para o problema. Consultas, análises, exames...e mais exames, para no final se descobrir que, na maioria dos casos, não existem poções mágicas instantâneas que corrijam o que o corpo, neste estágio já sentenciado como o culpado, não está a conseguir cumprir.
Paciência, resiliência e calma, os três medicamentos mais prescritos, infelizmente não comercializados. À falta deles, recorre-se aos mil e um suplementos, a segundas e terceiras opiniões e às várias medicinas alternativas, em simultâneo. Retira-se do dia o saboroso galão da manhã que, por ter lactose, pode ser o vilão da história. Coloca-se na lista de tarefas 10 minutos de meditação por dia, que dizem ser bom para aliviar o stress que pode estar a interferir. Permite-se que uma app do telemóvel, onde obsessivamente se regista toda a informação do ciclo menstrual, passe a determinar os momentos de intimidade do casal, anteriormente prazerosamente apelidados de “fazer amor” e agora clinicamente renomeados por “coito programado”. Tudo isto e mais um sem fim de atos que criam a falsa ilusão de controlo.
Ao mesmo tempo, todos à volta parecem engravidar sem qualquer dificuldade. “Eu nem queria já tão cedo, mas aconteceu”, “Assim que deixei a pílula, foi logo.”, são frases escutadas como lanças no peito, que fazem crescer o sentimento de inadequação e de inferioridade, que tanto afetam a auto-estima.
“Porquê a mim?” é a pergunta retórica mais formulada neste estágio de total descrença de sentido, à qual se sucede um rol de culpabilizações por tudo o que foi ou não feito no passado.
O casal fecha-se em silêncio sobre este tema. Deixam de falar abertamente entre eles sobre o seu sonho de serem pais, sobre o que vão fazer e como vai ser. Este tema causa agora uma dor que parece diminuída se anulada das conversas do quotidiano. A partir desse momento, cada um passa a viver a sua dor em silêncio. Também para fora, não faz sentido partilhar. Ninguém entende. Ninguém sabe o que é viver esta realidade.
É com um aperto na garganta que se esboça um sorriso doloroso e esforçado à pergunta comum “Então, e quando é a vossa vez?”. Participar de convívios cheios de barrigas e bebés, onde não existe conversa entre os adultos para além das lamúrias da privação de sono, das cólicas e da falta de apetite das suas crias, causa um sentimento enorme de injustiça por quem nem chega a ter a sorte de vivenciar essas abençoadas dores.
O sofá passa a ser o melhor amigo do casal, o que conforta, o que está sempre lá e o que oferece segurança e algum prazer, sobretudo se o momento for acompanhado de umas pipocas doces, que fazem, por momentos, esquecer a dor que é ir para o mundo e ver a todo o momento o que tanto se deseja e não se tem.
Quando o casal se encoraja a contar a verdade a quem o rodeia, dá conta da quantidade de médicos “de bancada”, que, surpreendentemente, parecem existir neste mundo. “Relaxem, que vão ver que acontece.”, “Quando esquecerem, é quando engravidam.”, “Vão de férias e bebam uns copos de vinho.”. E como se relaxa, quando o tempo está a passar? E como se esquece, quando se deseja tanto? E como se bebem copos de vinho sem culpa?
Instala-se o medo. E se nunca acontecer? Qual será o meu propósito, o meu legado? E se a relação não resistir? Como vai ser a minha velhice? Questões profundas que remetem para o sentido da vida.
No trabalho, falta de concentração. O maior foco está em conseguir coincidir as agendas das consultas com as reuniões e a encontrar as mil e uma desculpas para justificar as sucessivas ausências. O trabalho anteriormente motivante, agora é visto como o inimigo causador do stress e ansiedade que os médicos dizem inibidores das hormonas de reprodução.
É esta a dura realidade da Infertilidade, a que pouco se fala, a que muitos vivem.
Eu conheço-a bem. Graças a este caminho passei a cuidar mais de mim, a centrar-me no que me faz bem e a viver um novo propósito que tanto me enche o coração – o de ajudar pessoas que vivem este caminho a experienciá-lo com mais leveza, otimismo e equilíbrio, e como uma oportunidade para viverem uma vida mais fértil, como indivíduos, e, futuramente, como pais.
Se quiserem podem ouvir o meu testemunho ma TVI aqui - https://tvi.iol.pt/doisas10/geral/25-10-2021/como-lidar-com-a-descoberta-da-infertilidade